quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Prefeitura começa a exigir pagamento de dívidas de até 26 anos atrás na Zona Sul

Síndico de um prédio em Copacabana, Daniel Uram recebeu há alguns dias uma notificação da prefeitura informando que o condomínio tinha uma dívida referente a uma multa de cerca de R$ 500. E que, caso o débito não fosse quitado, o imóvel poderia ir a leilão. A multa foi aplicada por causa de um letreiro instalado em local proibido, o que não chegou a surpreender Daniel, pois o edifício aluga o térreo a comerciantes. O que causou estranheza foi o tempo entre a aplicação da multa e a notificação: 26 anos. A infração foi cometida em 1986 por um inquilino que nem está mais lá.

Assim como ele, outros contribuintes de oito bairros da Zona Sul receberam no último mês avisos de dívidas pendentes há mais de uma década. Isso inclui desde tributos como IPTU e ISS a multas por desrespeito ao Código de Posturas Municipais. Como se não bastasse, nem sempre os proprietários citados são os responsáveis pelas pendências Ao todo, 94 mil cartas foram enviadas em janeiro a quem mora ou trabalha em Botafogo, Humaitá, Urca, Leblon, Ipanema, Copacabana, Leme e Lagoa. A cobrança é motivo de polêmica, como informou esta semana a coluna Gente Boa, do GLOBO.

Só três contribuintes devem R$ 5,5 bilhões

No fim de 2010, a prefeitura somava R$ 24 bilhões na Dívida Ativa, segundo informações do Tribunal de Contas do Município. Desse total, 34,24% (R$ 5,5 bilhões) se referem a apenas três contribuintes. Os dois maiores devedores da lista têm uma dívida de R$ 4,7 bilhões acumulada desde 1975. O débito refere-se a inscrições imobiliárias de grandes terrenos da Barra, que a prefeitura não consegue localizar para poder fazer a cobrança. Mesmo assim, a arrecadação da Dívida Ativa tem crescido nos últimos anos. Em 2008, foi de R$ 150,1 milhões, passando para R$ 163,6 milhões em 2009. Já em 2010, a prefeitura recuperou R$ 238,6 milhões e, no ano passado, R$ 256,6 milhões. Dos R$ 256,6 milhões pagos em 2011, o maior montante foi de dívidas de IPTU (R$ 165,4 milhões).

A Procuradoria Geral do Município (PGM), responsável pela cobrança, sustenta ter amparo legal. E diz que apenas tenta receber de forma amigável dívidas que já vêm sendo cobradas em juízo. Já o advogado José Nicodemos Cavalcanti de Oliveira, especializado em direito tributário, afirma que a cobrança pode ser ilegal caso os débitos não tenham sido cobrados ao menos uma vez nos últimos cinco anos.

O síndico Daniel Uram acrescentou que há meses recebeu outra notificação de outra multa de um ex-inquilino. Por isso, entrou com recurso na prefeitura solicitando o cancelamento da cobrança, mas ainda não recebeu resposta:

— Nos dois casos, eles ameaçam levar o imóvel a leilão. O condomínio não tem nada a ver com isso. Essas dívidas também provavelmente já deveriam ter prescrito com o tempo.

Em nota, a PGM diz entender que, uma vez que a prefeitura entrou na Justiça contra os devedores no prazo previsto pelo Código Tributário (cinco anos a partir da cobrança), não haveria prescrição. E, que a partir daí, caberia à Justiça decidir se a dívida deve mesmo ser quitada e de que forma. "Cobrar a dívida de quem não pagou é um dever do Estado e um respeito aos cidadãos que pagam", diz a nota.

Com base no Código Tributário, o advogado Nicodemos Cavalcanti afirma que, em muitos casos, essa cobrança retroativa pode ser indevida, independentemente da existência de ações em juízo:

— Mesmo que a prefeitura tenha inscrito os débitos na Dívida Ativa ou iniciado um processo judicial no prazo legal, não pode cobrar quando desejar. Se o processo ficar cinco anos sem qualquer movimento, prescreve.

A médica Rúbia Maria Tavares Villar, que tem consultório em Copacabana, recebeu em janeiro uma multa relativa à colocação de uma plaqueta de propaganda na fachada do prédio onde trabalha. A notificação alerta para a possibilidade de leilão da sala, caso o débito — de R$ 249,95 — não seja pago. A multa foi registrada três anos antes de ela comprar o imóvel, em 1995, e a guia de recolhimento chegou em nome do antigo ocupante. O advogado da médica, Horácio Magalhães, disse que Rúbia ficou indignada, por considerar a cobrança equivocada. Ele entrou com recurso:

— A prefeitura deu alvará de funcionamento para o consultório. Será que não cruzam informações para descobrir que o dono da sala se mudou? Quando consultamos o site da prefeitura pela inscrição do imóvel, não há débitos.

Parcelamento em até 84 vezes

Para atender os contribuintes notificados, a prefeitura montou dois postos volantes em ônibus. Eles funcionam de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h, na Cobal do Leblon e no posto da Comlurb em Botafogo (Rua General Polidoro 68). Só ontem, 32 pessoas já tinham procurado o posto do Leblon até as 15h. Segundo a PGM, desde agosto de 2011, os postos volantes têm sido montados em bairros onde não há escritórios da Dívida Ativa, para facilitar a regularização dos débitos. Assim que os ônibus chegam a uma região, são emitidas as cartas sobre as dívidas. Elas incluem uma guia de quitação à vista, além de informações sobre as condições de parcelamento e as conseqüências do não pagamento. Conforme o valor, a dívida pode ser parcelada em até 84 vezes.

A cobrança de tributos pela prefeitura tem sido motivo de polêmica nos últimos anos. Em 1999, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o modelo de cobrança de IPTU adotado pelo Rio desde 1995. A prefeitura calculava o tributo com alíquotas diferentes por região. E cobrava taxa de lixo e iluminação pública com base na área construída. Com a fórmula, cobrava-se mais de imóveis da orla da Lagoa e menos de propriedades em outras áreas.

No ano 2000, entraram em vigor novas regras, que também geraram distorções. Em vigor até hoje, elas reduziram a base de contribuintes do IPTU. Dos quase 2,1 milhões de imóveis, cerca de 30% apenas pagam o tributo. Outros 500 mil recolhem só a taxa de lixo e os demais nada pagam.

Nicodemos Cavalcanti disse que ainda hoje recebe queixas de cobranças retroativas ao período (95-99):

— Se a cobrança ainda estiver na fase administrativa, o contribuinte pode se antecipar à prefeitura e entrar na Justiça com uma ação declarando que o débito não existe. Se a cobrança já estiver em juízo, poderá solicitar um embargo à execução fiscal, alegando que é indevida.

Nicodemos acrescentou que, com base na decisão do STF, muitos contribuintes entraram na Justiça para reaver os valores pagos. Ele frisou, porém, que o prazo para pedir a devolução do dinheiro em juízo prescreveu cinco anos após a sentença do STF.

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